30.1.10

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Fazia parte da secção "O Coração na Mão", e era uma história supostamente verídica sobre a primeira estada em Paris do jovem Rainer Maria Rilke:


O poeta costumava passear - acompanhado de uma rapariga - por uma praça onde costumava estar uma mendiga com a mão estendida. A mulher estava sempre sentada no mesmo sítio, sem olhar para os trausentes nem lhes implorar uma esmola, e também não agradecia quando recebia algum donativo. Embora a sua amiga lhe desse muitas vezes uma moeda, Rilke nunca dava esmola à mulher. Uma vez, a jovem perguntou ao poeta porque é que ele não lhe dava nada, ao que este respondeu:

- É o coração dela que precisa de uma prenda, não a sua mão.

Dias depois, Rilke depositou uma rosa na mão gretada da mendiga. Então aconteceu algo inesperado: a mulher levantou o olhar, e, depois de beijar efusivamente a mão do poeta, saiu do lugar brandindo a rosa. O canto da mendiga permaneceu vazio durante uma semana inteira, após a qual voltou a ser ocupado:

- Mas, do que é que ela viveu todos estes dias, se não esteve na praça a pedir? - perguntou a rapariga.

Ao que Rilke respondeu:

- Da rosa.



Amor em Minúsculas, Francesc Miralles, Contraponto, p. 234

25.1.10

é esta a forma do meu coração.

Olá, meu amor.
Como vão os teus dias?
A que sonhos tens aspirado, sem mim?
Com que ternuras me recordas, ao fim de tanto tempo?

Porque te deixei eu, novamente, partir, sem mim, para essa terra de ninguém
Que nunca te conhecerá.
Nem tu, porventura, a conheces ainda,
Mas os segredos que encerras são, todavia, mais profundos.

Os teus segredos sei-os bem
Aqueles que ficaram sempre junto de mim,
Aqueles que eu nunca ousei, sequer, murmurar.

Pois o meu coração encontra-se fechado às tuas ordens
E, dentro dele, jazem os teus sonhos, as tuas vontades,
O teu próprio sangue.

22.1.10

cão azul

Um cão invulgar
Apareceu às portas da cidade.
As pessoas fugiram, correndo,
Brandindo pedras e atirando insultos ao pobre animal
Apenas porque ele era azul.

E quando um doce rapaz
Veio, enfim, socorrê-lo
Trazendo-o nos braços pelas ruas
As pessoas fugiram, mais uma vez
E nunca mais falaram ao pobre rapaz
Apenas porque ele foi capaz de distinguir
O azul do cinzento
E porque achou mais bonito este primeiro.


(Aprecio muito todos os comentários, obrigada.)

21.1.10

poderia fazer parte da banda sonora da minha vida


When I see myself I'm seeing you too
As long as I remember and I'm feeling like I knew
That my jokes aren't funny, the truth isn't true
If there was no you


(...)

Out on your way the darkest night the longest day
I know what to say to make you laugh
And nothing you could do
Could make me turn my back on you.


If There Was No You, Brandi Carlile.

18.1.10

Oito versos, oito meses.

E aqui estou eu, mais uma vez,
A contemplar-te no meu pensamento.
Soas-me hoje estranhamente distante,
Vislumbro cansaço na ruga que te franze a testa
Como se uma nuvem cinzenta te cobrisse
O rosto, esses olhos brilhantes
Que normalmente iluminam a noite mais escura.
Quem me dera saber onde estás agora.

Mais uma vez, consigo recordar cada pormenor teu,
O teu sorriso, o teu cabelo ao vento, os teus olhos fixados em mim.
Consigo ouvir a tua voz num eco dentro da minha cabeça,
E consigo quase sentir o teu toque, imaginar o que dirias neste momento.
Deliro com pensamentos turvos, mil palavras encravadas no meu peito.
Olho à minha volta, ninguém está a observar-me,
Mas eu observo todos, à tua procura, procuro alguém que se assemelhe a ti,
Ainda que vagamente... mas não há, não pode haver ninguém igual a ti.

Sinto a tua falta agora mais do que nunca,
Todos os dias mais,
Todos os dias mais delirantemente.
Quero perceber que preocupação é essa que trazes hoje contigo,
Que impede que os teus olhos brilhem para mim.
Quero perceber onde estás, o que fazes, o que olhas,
O que respiras.
Porque eu hoje só consigo respirar-te a ti, pensar em ti, olhar-te a ti.

12.1.10

Prefiro rosas


Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outra vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indif 'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.


Ricardo Reis, in Odes, Ed. Ática

10.1.10

as tuas palavras

E foi assim que a história começou,
Tu roubaste a minha tristeza e a minha dor,
Só com palavras e com promessas.
Palavras e promessas,
Palavras e promessas.

Os dias e os meses foram passando,
E as tuas palavras estiveram sempre comigo.
E mesmo agora, passado mesmo muito tempo,
Consigo ir ao fundo da minha memória buscar todos os pedaços quebrados de palavras
Que aconchegaram o meu coração, e que por lá se deixaram ficar.

E é nelas que ainda penso quando
O mundo se torna pesado demais para que eu o possa carregar nos meus ombros
É a essas palavras que ainda vou buscar a minha força, a minha coragem...
Porque o Mundo sem palavras é cruel, é mau.
Porque o Mundo sem as tuas palavras é irrespirável, meu amor.
 
 
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