26.5.09

Ignorância(s)

A Penumbra é desconsoladora,
Leva com ela os restos da ilusão,
Os últimos raios do calor da tarde.

Sim, sim, és o rei do meu coração,
O rei absoluto, que recusa partilhar o seu poder,
Mas não muito consciente do seu mandato.

Ah, que fria noite, que escuridão mórbida!
Que triste alma, que vida desnuda,
Que solenidade desconcertante.

O rumor findou,
O sussurro recomeçou,
Mesquinho e conhecedor do seu segredo.

Pois, que o segredo foi feito para permanecer na obscuridade,
E não cantado pelas ruas, à solta, como murmúrios devassos.
Eu não nasci para ser princesa, quanto mais rainha!

Eu nasci para conhecer o mundo,
Para permanecer ignorante,
Ignorada.


Rita Oliveira

23.5.09

A Dança

Vem, meu amor,
Hoje a lua está brilhante,
Alva e solene.
O seu brilho faz o céu parecer um sítio melhor.
Vem, vamos dançar à luz da lua!

Já não há ninguém nas ruas,
Só se vê uma ou outra sombra,
Mas somos só nós, meu amor, só nós
Vem, vamos dançar à música do vento!
Que está esta noite tão pujante, tão sedutor.

Meu amor, não há nada,
Não há ninguém,
Só as nossas duas sombras escuras e tristes,
Movimentando-se numa dança sem sentido,
Perdidas no meio de tanta solidão.

11.5.09

Horizonte

As pessoas são estranhas.
Só tenho isto a dizer. São ridículas.
São tão estranhas, que nem se apercebem da sua estranheza,
E continuam caminhando, como se nada fosse,
Em direcção ao horizonte.
Mas o horizonte não foi feito para elas,
E não é qualquer um que pode lá chegar.
Também eu tentei, uma vez, tocar-lhe, mas ele fugiu, rindo-se de mim.

O vermelho acobreado contorceu-se, num espasmo de gozo,
E deu lugar a um azul escuro, e sinistro.
E fiquei sozinha, a pasmar perante aquela escuridão,
Com um nó na garganta, e uma lágrima ao fundo do queixo.
Ela nunca chegou a cair.

Uma vez vi que alguém tocava o Horizonte,
Mas depois descobri que não era Alguém.
Era um animal.
Sim, um animal, que se recortava contra a vermelhidão arroxeada,
Uivando, e sacundindo-se todo,
Vitorioso do seu destino.

Quando a noite porfim caiu,
O lobo desapareceu, os gritos silenciaram,
E a calmaria regressou.
A lenda nunca mais voltou.

Às vezes ouço por aí dizer
Que os uivos e os gritos voltarão,
Mas eu não creio nisso,
Porque já não há mais motivo por que gritar,
E o lobo que viu o fim de tudo não pode mais uivar.


7.5.09

Olhos teus


Hoje reparei numa coisa bonita,

Uma velhinha que deixava o seu presumível neto descansar no seu colo.

A inocência ao colo da experiência.

E depois tantas pessoas à volta,

Tantas vidas para eu imaginar,

Tantas coisas em que pensar.

Uma rapariga com um vestido comprido,

Pessoas caminhando lentamente pela avenida.

Mas depois, de repente, um pensamento feliz cruzou os meus pensamentos,

E tudo o resto se desfez, como fumo na água,

E uma onda de calor ardente aqueceu o meu coração.

O pensamento foste tu,

Eu nasci quando te vi pela primeira vez,

Nasci quando te ouvi pela primeira vez.

Não quero ser mais vista pelos meus olhos,

Não quero mais ver ninguém pelos meus olhos.

Quero que sejam os teus olhos a ver-me,

Não ver-me, de apenas fitar-me,

Mas ver-me, de abarcar-me toda, num pensamento só.

Mostra-me em que pensas,

Acho que, afinal, há algo que nunca quero deixar de ver.

1.5.09

Imortais, ricos, e bonitos.


Eu não compreendo as maravilhas do mundo

Porque elas só se mostraram para mim uma vez,

Ou duas,

Ou três.


O céu tem muitas manias,

Mas eu já fui capaz de as descortinar todas.

Já desmascarei um céu sisudo,

Já li todas as tuas caras, mesmo sem as ver.


Matei-me, e suicidei-me mil vezes,

Mas isso nunca foi suficiente para te fazer desaparecer.

Somos imortais.

Vamos ser imortais?



 
 
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